Você talvez nunca tenha ouvido falar da Bacillus Calmette-Guérin — ela soa meio francesa demais, por que você deveria conhecê-la? Mas olhe com mais atenção e você verá que a BCG, como ela é comumente conhecido, é um dos remédios mais negligenciados do nosso tempo.
A BCG é, a princípio, a vacina contra tuberculose mais usada do mundo e foi usada pela primeira vez em humanos em 1921. Feita de uma cadeia enfraquecida de bactérias de tuberculose de bovinos vivos, ela se revelou 80% efetiva na prevenção da tuberculose por um período de 15 anos, dependendo da localização geográfica. É impressionante, e por isso, com exceção dos EUA, ela é aplicada nos braços de crianças do mundo inteiro. Mas isso é só o começo.
Destruidora de câncer
Pular da tuberculose para o câncer é um salto e tanto, mas um que a BCG tem feito de tempos em tempos. Já em 1979, um esforço clínico declarou que “a BCG é benéfica no tratamento de câncer do pulmão.” Depois, em 1991, um estudo publicado no England Journal of Medicine sugeriu que a vacina da BCG oferecia forte proteção contra o surgimento de câncer da bexiga.
Seguiu-se, em 1994, um novo estudo que resultou em evidências de que a BCG aumentava o tempo de vida e reduzia o risco do reaparecimento naqueles que sofriam de melanoma maligno (um tipo grave de câncer de pele); relatórios de que ela era benéfica no tratamento de câncer colorretal; e, recentemente, exemplos concretos dos seus efeitos benéficos no tratamento do câncer de bexiga.
Tuberculose, morta. Quatro tipos distintos de câncer na mira. Esses feitos, por si só, são credenciais impressionantes.
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Mas espere, tem mais
Mas a BCG tem mais truques na manga. Pegue a esclerose múltipla, uma doença que ataca as bainhas de mielina que recobrem e isolam as fibras nervosas causando danos cerebrais, que acabam em sequelas e, no longo prazo, incapacidade cognitiva. Em 1999, foi demonstrado que a BCG reduziu a incidência dos sintomas. Em um estudo posterior, foi mostrado que esse efeito provavelmente decorria do fato de que a vacina atenuava a cicatrização das células nervosas em até 50% — um efeito que era observado em exames de ressonância magnética. Embora não seja largamente usada como tratamento, foi considerada de uso seguro e racional nesses casos pela revista Neurology.
A lista continua. Um documento de 2006 na Lancet explicou como a BCG tem um efeito protetor na lepra, enquanto outro indicou que ela atrasa o surgimento da úlcera de Buruli — coisas desagradáveis que crescem sob a pele. Há ainda uma série de experimentos com animais que prometem ainda mais notícias positivas: em especial, uma versão para ratos do mal de Parkinson demonstrou que a BCG oferece um leve efeito neuroprotetor e espera-se que ela possa ser replicada em humanos.
Nada mal para um tratamento de 90 anos.
Velho remédio, novos truques
O último feito do BCG, porém, é talvez o mais inesperado. Há muitos anos, a professora de Harvard Denise Faustman mostrou que o BCG poderia ser usado para tratar a Diabetes em ratos. Ela demonstrou que a vacina ajudava ratos a produzir uma proteína que mata as células-T, responsáveis pelo Diabetes Tipo 1. Prendendo a respiração, a comunidade científica aguardou enquanto os mesmos testes eram replicados em humanos. O que estava em jogo? Uma descoberta positiva poderia significar que pacientes de diabetes não precisariam mais injetarem insulina em si mesmos.
Quatro anos depois, Faustman e seus colegas publicaram os resultados de uma pequena escala na PLoS One. O trabalho deles é limitado e traz ressalvas — o estudo acompanhou três pacientes por apenas 20 semanas —, mas os pesquisadores observaram a mesma produção de proteína e morte da célula-T que haviam visto nos ratos. Embora não seja o momento ainda de pacientes de diabetes estourarem champanhes e abandonarem as injeções, é certamente uma grande descoberta com grande e real potencial.
O mais inquietante é que não sabemos sequer o que faz a BCG ser tão bem sucedida. Existem hipóteses que sugerem que ela ativa uma proteína chamada “fator-alfa de necrose tumoral” — e o estudo da diabetes ajuda a corroborar essa ideia —, mas a comunidade de pesquisadores não está 100% convencida ainda. De modo simples, embora se apresente muito útil em uma série de situações, ainda não sabemos exatamente por quê.
Ignore por sua conta e risco
Dado o sucesso da BCG contra tantas doenças, você talvez se questione por que ela não é mais comum. Insegura, ela não é, sem dúvida: fora dos EUA, é uma das vacinas mais usadas do mundo e tem pouquíssimos efeitos adversos além de uma pequena cicatriz no local onde a injeção é dada — se você nasceu no Brasil, olhe para o seu braço direito. E não deve ser proibitivamente cara, já que é usada também em regiões mais pobres da Ásia e América do Sul.
Talvez o mais provável é que os EUA, geralmente pioneiro em tratamentos de última geração, nunca realmente abraçou a BCG. O país sempre evitou a vacina como um preventivo da tuberculose, preferindo em vez dela optar por programas de diagnóstico e tratamento de tuberculose latente. Como resultado, a BCG é bem incomum nos EUA: profissionais da medicina não estão tão atentos a ela como estão em outras partes do mundo e, como consequência, ela é por vezes negligenciada, esquecida.
Mas sendo a “cura milagrosa” que cada vez mais ela se revela ser, talvez seja hora de mudar essa percepção.
Fontes: gizmodo / G1 / FaustmanLab
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